Dessas coisas imprevisíveis e inexplicáveis, mesmo precavendo-se, poucos meses após o nascimento do primeiro filho a mãe engravidou novamente. Tempos depois enquanto se comemorava o aniversário do primogênito preparavam o batizado do segundo menino. Mesmo contando com a colaboração da família e de uma ajudante nos trabalhos domésticos, a mãe era puro cansaço. Uma noite, exausta, sentando-se por alguns segundos após o mais velho dormir, ouviu-se o choro do mais novo. Eu comentei: não sei como você aguenta. E ela respondeu: não aguento; é instinto.
A resposta nunca saiu do meu pensamento. São incontáveis as mulheres que vi ao longo de toda a minha vida conduzindo seus filhos. No próprio colo quando doentes, ou de braço dado, os filhos crescidos e com deficiência. São guias dos que não enxergam, são tutoras daqueles cuja dependência os impede a autonomia. Mães resolutas, às vezes sérias, outras sorridentes, mas sempre determinadas, volto a recordar minha amiga que não questiona o próprio cansaço, elas agem.
Mães são seres ímpares. Recentemente vimos pelo noticiário a mulher colocando palavras na boca do filho que, em alta velocidade, acabara de provocar um acidente com a morte de um infeliz motorista. Diante da policial o que se ouviu primeiro foi a voz da mãe: ele não lembra de nada, ele não lembra de nada. Obediente, o filho seguiu em frente com a ideia, o que não o salvou de estar, neste momento, no xilindró aguardando julgamento. A mãe fez o que fazem todas as mães, tentou salvar o filho. Quem julga? Afinal, mães negam a própria maternidade se for para salvar a vida do filho, ensina a Bíblia.
Há ressalvas quanto às mães incautas que se endividam por conta de festas, excessos de consumo. Talvez ocorra aí uma série de equívocos que envolvem formação, educação, valores humanos. Um garoto sobrevive sem videogame tanto quanto uma menina sobrevive sem a Barbie. E mãe, como todo e qualquer ser humano, deve entender que um não é tão importante quanto um sim para a educação das crianças. Essas questões ficam para depois. Há outras, sobre as quais devemos refletir.
Há muitas mães cujo sofrimento é imensurável. Aquelas que estão perdendo para as guerras seus filhos já homens feitos, ou tão difícil quanto, aquelas que carregam suas crianças mortas enquanto lançam gritos aos céus iluminados por mísseis. São mães russas, ucranianas, palestinas, entre outras, que perdem para a morte os filhos de uma guerra que não causaram, que não quiseram e que, provavelmente, dela não se beneficiarão. Muitas nem mesmo têm o consolo de enterrar suas crianças, corpos em valas, corpos dilacerados e dispersos em campos de luta.
Há outras mães perdendo filhos e filhas para o narcotráfico, para a prostituição. Perdem também para a ausência de vagas nas escolas, para a falta de emprego aos mais velhos. E lutam pelo resgate, pela recuperação, pela carteira escolar, pelo médico, pela alimentação. Certamente brigam, fazem dívidas, tornam-se inadimplentes, recuperam-se para o tudo de novo. E não desistem. E seguem amando o fruto de seus ventres.
Neste maio de 2024 há um contingente maior de mães desesperadas, suas casas alagadas, seus bens perdidos nas enchentes do Rio Grande do Sul. Perderam roupas, móveis, eletrodomésticos. Sobretudo perderam retratos, vídeos, pequenos testemunhos da história da própria maternidade. Estão sem cama para deitar os pequeninos, sem cobertores para aconchegá-los. Não sabem quando voltarão a ter despensas e pratos cheios, comida farta. Rezam para que não venham mais doenças e temem possíveis pestes advindas da tragédia. E com tudo isso não desistirão. Lutarão pela própria vida, pela vida de cada filho.
Feliz Dia das Mães! É certamente o que nós desejamos para todas aquelas que tiveram a graça da maternidade. E que não sejam desejos, palavras vazias. Que esse maio de 2024 seja carregado de fraternidade, sororidade, compaixão e, acima de tudo, responsabilidade por cada mãe sofredora. Aquelas da Ucrânia, da Rússia, Palestina, de todos os lugares. Sem esquecer das mães indígenas que lutam pela sobrevivência de seus filhos, e as outras, urbanas, que têm narcotraficantes como adversários, mães negras que têm a luta contra racistas. Vamos continuar nossa campanha para ajudar o Rio Grande do Sul nesse momento infeliz. Mas, mãe é mãe todo dia. Que não nos esqueçamos do que devemos fazer por elas, todas! Principalmente aquelas que estão infelizes.
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Nota: na foto ilustrativa, da esquerda pra direita, minha homenagem e lembrança para mães batalhadoras que foram Olinda, Laura e Isaura. Para registro, as crianças são: (no colo) Hugo Renan, Valdonei e Walcenis. De pé, Waldênia.